30 de janeiro de 2009

Mana Calórica e Cadeia da Relação | Que relação?

A descobrir já amanhã, pelas 18 horas, no Centro Português de Fotografia, antiga Cadeia da Relação, Porto.

Mana Calórica: António Pedro Ribeiro (voz), Rui Costa (guitarra) e André Guerra (guitarra).
«...amontoado de sensibilidades de merda!»

«Muriel», Ruy Belo

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
e penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
















Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
sem que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido



29 de janeiro de 2009

A arte voa em torno da verdade mas com a atenção decidida de se não queimar nela. A sua capacidade consiste em encontrar no vácuo um lugar onde o raio de luz possa ser resgatado.
«Aquele cuja mão me aquece o rosto e o peito»

23 de janeiro de 2009

«De que vale acordar?
Se o que vivo é menos que o que sonhei?»
Antes não compreendia que as minhas perguntas não obtivessem resposta.
Hoje não compreendo porque um dia acreditei ser possível fazer perguntas.

22 de janeiro de 2009

Após...
o visionamento de O Estranho Caso de Benjamin Button, quanto a nós um doce fragmento proporcionado por David Fincher, a noção de efemeridade e a inversão do ciclo do tempo [eu preferia a suspensão do momento; em que instante? Não sei, ainda não o vivi].
... recordamos com saudade as palavras de Eugénio de Andrade, em particular as notas escritas na Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa: «Santo Agostinho afirmou que a beleza é o esplendor da verdade. Gostaria que, onde o santo escreveu beleza, se lesse poesia. Assim, a poesia, toda a poesia, teria esse esplendor, o da verdade, e deste modo iríamos ao encontro de Goethe, para quem verdade e poesia sempre caminharam juntas. Só assim evitaremos que ela se torne na mais fútil das ocupações».

De encontro a essa verdade, transpomos o «Madrigal» in As Mãos e os Frutos (1948):

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.


.

Salvador Dalí, Tristão e Isolda (1944)

21 de janeiro de 2009

Não é necessário saíres da tua casa. Continua à mesa, ouve.
Não ouças sequer, espera simplesmente.
Não esperes, sê absolutamente solitário, absolutamente silencioso.
Acredita que o mundo irá oferecer-se para se desmascarar, não pode agir de outro modo; sob o teu encanto, desenrolará os seus anéis a teus pés.
«A névoa narcótica tabagista do Capitalismo»

16 de janeiro de 2009

Poesia de Choque

Antes do teletransporte para fim-de-semana, fica o convite para a performance de A. Pedro Ribeiro e de Luís Carvalho, hoje, no Clube Literário do Porto, pelas 21h30m. Sob o mote da poesia incómoda e irrequieta, apareçam pois o choque poiético é, por vezes, um catalisador do pessimismo estético e térmico!!!
«Não estou aqui»

15 de janeiro de 2009

«Notas sobre a realidade do Self», Jorie Graham













A questão de quem eu era consumia-me.

Convenci-me de que não chegaria a encontrar a imagem
da pessoa que eu
era: Os segundos passaram. O que em mim subiu à superfície
mergulhou e voltou a desaparecer. E no entanto senti que
o momento da minha primeira investidura
foi o momento em que comecei a representar-me –
o momento em que comecei a viver – gradualmente – segundo a
segundo – ininterruptamente – Oh, mente, que estás tu a fazer! –

queres ficar oculta ou queres ser vista? –

E o vestido – como te assenta bem! – iluminado
pelos olhos dos
outros,
a chorar –
«Cicatrizo pela cidade cinzenta»

13 de janeiro de 2009

Pai, não sei como dizer-te...

Sem a intenção kafkiana de redigir uma carta, sequer freudiana, invoco o «Ciclo» de Herberto Helder.

Pai:

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um campo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e o abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,


que te procuram.

Conversas de Balneários com Lágrimas

Por norma, elegi as terças e as quintas-feiras como dias de confrontação aquática. Contudo, há algo que me começa a irritar solenemente há já algum tempo, as ditosas conversas de balneário, no feminino claro está! Até me considero um ser gregário mas aprecio o recatamento e o respeito pelo meu espaço vital e nudez. Pelo que, entre uma pista de costas e uma de bruços, lanço alguns olhares fortuitos a fim de averiguar a corrida do mulherio para o banho. Mais umas braçadas e agora sim, para o duche já! O problema surge no pós-duche, entre cremes, óleos e toalhas, parece sempre haver algum ser comunicante à minha espera. E se bem que vivamos o início de um novo ano, é mais do mesmo. Eu estranho secar-me, vestir o fio dental e alguém dizer: «isto aqui é sempre a mesma coisa, molhado e sujo, deve estar na mudança de turno». Eu sorrio e puxo as calças mas eis o que eu penso: «olha lá, eu vim nadar, se fosse para passar a esfregona tinha ficado por casa». Depois, lá vislumbro a camisola e ainda há espaço (ena ena) para o boletim meteorológico, não o do Jorge Palma, mas os comentários à cortina de frio. Irra.......................................................................

Findo o repasto, eis que somos contactados por um potencial dono do Popota. Assim que se dá o face a face, eis que a senhora desata a chorar pois não é o seu bichano desaparecido. Bem, Popota por aqui vais permanecer e olha há dias assim...

8 de janeiro de 2009

Des-abafos (I)

Escrever apenas quando se tem algo verdadeiramente a dizer é de uma vaidade vertiginosa. Aliterações aparte mas quantos dão voz e corpo a ideias e enredos inúteis... talvez não haja muito mais a dizer ou a recriar... podia procurar uma imagem ou resgatar um poema mas não, não me apetece.

Hoje não.

Talvez amanhã esbata a inércia de mais um dia e os meus matizes sociológicos me elucidem sobre o que à minha volta gravita. Talvez o poder simbólico bourdiano me ajude a ler algumas destrinças, a violência doce reproduzida pelas instituições de ensino e pelos órgãos de comunicação social e a matriz historicista de Giddens me enleve no tempo e no espaço, esses fluxos de coexistência.

Talvez mas hoje não... hoje impera o silêncio de mim.

«Malmequeres e Polígonos», A. Luísa Amaral

A mesma folha.
De um lado, analisar,
do outro – eu.

Mas o lado primeiro
também eu. Outro eu.

E o que vacila
entre os dois lados
(que não é o que escreve, não querendo,
nem o que malquerendo, move mão)
– eu também. Outro eu.

Eu, terceiro e secante
com os outros dois lados.
Malmequer. Mequermal.

No fim das pétalas,
é sempre a mesma folha
com dois lados

(e um outro em Purgatório:
nem inferno, nem céu)

7 de janeiro de 2009

Por aí, não obrigado! | Pulga Estúdios

Popotices

Porque os humanos são nossos amigos tal como os animais, divulgamos a seguinte informação:

Este bichano, gentilmente apelidado de «Popota», foi encontrado numa zona periférica de Matosinhos, aproximadamente há dois meses. Trata-se de um felino jovial, com pêlo aveludado e alguns quilogramas a mais, um pouco assustadiço mas muito ternurento e asseado. Tudo indica que terá perdido o rumo doméstico pelo que apelamos aos antigos donos ou potenciais novos donos que nos contactem, neste caso via blogue-comentário.

6 de janeiro de 2009

Aos Homens Distantes

Enquanto Obama não assume a presidência, os conflitos em Gaza perduram, Sarkozy sacode o serviço público televisivo, nós por cá homenageamos os Homens Distantes de António Gedeão:


Ligo a televisão e sento-me a comer.
Mastigo.
Mastigo devagar. Sem pressas.
E, enquanto mastigo, vou seguindo
as imagens autênticas dos homens
a duas dimensões.
(Com mais uma tornavam-se palpáveis.
Com mais outra seriam seres humanos).

Aprecio-lhes o rosto, os gestos, os olhares,
e é mesmo como se estivessem vivos,
ali, dentro de casa,
ao alcance das mãos.

São autênticos, mas se me apetecer viro-lhes a cara
e eles não reparam.
Baixo-lhes a voz, elevo-a, ou mudo de canal,
mas se voltar ao mesmo eles lá estão
na mesma compostura,
sem darem p'la mudança.

Falo com as imagens. Em apartes
digo o que penso deles,
e eles, que estão ali, fitando-me, falando-me,
não me vêem, não me ouvem, nem sabem que eu existo.

É assim a vida.
Olhamo-nos sem nos vermos.

Entretanto, mastigo.

Há os altos e os baixos, há os gordos e os magros,
há os que têm barbas e os que não têm barbas,
há os que têm óculos e os que não têm óculos,
mas o que todos têm de comum
é a segurança, a firmeza, a convicção
e o desejo de contribuírem para a minha felicidade.

Eles não me vêem nem me conhecem
mas tudo se passa como se estivessem a pensar em mim,
porque eles querem tornar-nos a todos felizes,
e eu sou um deles,
e com isso me sobressalto enquanto mastigo.

Recordo-me
(disseram-me em criança)
que é um dever cristão amarmo-nos uns aos outros.
Eles a mim e eu a eles.
E eu estou perfeitamente de acordo.
Porque não?
Se não passam por mim por que não hei-de amá-los?

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...