4 de outubro de 2010

Revista de Poesia «Piolho» 2 | Edições Mortas & Black Sun Editores

Algures entre a pedra suja e o diamante de sangue pulula inequivocamente o segundo número da revista de poesia Piolho. Seguimos com a ode bicéfala aos anões e aos gigantones.

Fotografia de António S. Oliveira

18 de setembro de 2010

extracção nyaneka | voz das mães, Ruy Duarte de Carvalho

falaste?
turvaste a água!

é morte de homem?
a que cheira então?

isso que fede é o cheiro da injúria, da afronta
da escória da memória.

falaste, soltaste a língua
abriste a palavra aos outros:

vem-te à boca agora
o hálito alheio

e respiras o sabor
do que tinhas engolido.

vai à lenha e volta
a novidade espera.

onde ir à água que a não deixes turva
e aonde te vais mostrar
que não te exponhas ao mundo?

da rama estéril, quem fala?
a inveja visa é lá, é onde tem.

hálito alheio:
memória da escória.

15 de setembro de 2010

Com algum atraso fica o registo neste blogue do nascimento do Bebé Fausto da Silva Oliveira no dia 30 de Agosto. Agora a noção de tempo mudou radicalmente e espartilha-se pelas várias vertentes do admirável mundo da puericultura.

No plano da leitura o encontro com a narrativa de Sylvia Plath e as ilustrações de Rotraut Susanne Berner em O Fato do Tanto-Faz-Como-Fazia:

«O Max vivia com a Mãe e o Pai Nix e os seis irmãos numa pequena aldeia chamada Winkelburg, a meio de uma montanha íngreme. A montanha tinha três picos e em todos os três picos, tanto de inverno como de verão, havia uns chapéus de neve que pareciam mesmo três grandes cones de gelado de baunilha.
O Max gostava do sítio onde vivia.
O Max era feliz, à excepção de uma única coisa. Mais do que qualquer outra coisa no mundo, o Max Nix queria ter um fato só para si».

19 de agosto de 2010

Revista de Poesia «Piolho» 2 | Ed. Mortas

Avizinha-se o segundo passo da Revista Piolho, com as colaborações de Melusine de Matos, Renato Filipe Cardoso, manuel a. domingos, Fernando Esteves Pinto, Zaralleci, Rui Costa, Ivar Corceiro, Raul Simões Pinto, Gilberto de Lascariz, Sílvia C. Silva, Luís Serra, Miguel Sá Marques, Sérgio Almeida, Humberto Rocha,Théodore Fraenckel,...

16 de agosto de 2010

Véu Nascituro

Sob o mote da palavra,
um sopro de vida.

Do véu nascituro,
uma parte do ser.

Qual gata assanhada,
fôlego de flor ou cão cansado,
ronrono para te espreitar – F.!

21 de julho de 2010

«A Origem do Mundo», Jorge Sousa Braga

Uma mulher deitada de costas
As pernas abertas a vulva exposta

Em primeiro plano entre as coxas
Roliças e as nádegas espalmadas

Os pêlos do púbis densos como escamas
Como linha do horizonte as suas mamas

9 de julho de 2010

Revista de Poesia «Piolho» | Edições Mortas

Por cá já saltita o número 1 da Revista de Poesia Piolho, uma ideia de A. Dasilva O. corroborada por Raul Simões Pinto, algures numa mesa do café Piolho. Neste número colaboraram António Barahona, A. Pedro Ribeiro, Fernando Guerreiro, Humberto Rocha, Meireles de Pinho, Ricardo Álvaro, Suzana Guimarães, Teresa Câmara Pestana, Zarelleci, entre outros. Seguimos degustando a trilogia A quiche e o arroz de pato/ Alma Couratos/ O poema Kinder.


Fotografia de António S. Oliveira

22 de junho de 2010

Dumbanengue | Cooperativa GESTO

Nos dias 25 (Dia da Independência de Moçambique) e 26 de Julho, a Cooperativa GESTO acolhe uma feira popular de arte, com destaque dos produtos moçambicanos e descontos apetecíveis em produtos culturais diversos. Apareçam!

21 de junho de 2010

Os (in)equívocos noticiosos

«Global», ou talvez não, o jornal ainda pontua como veículo de divulgação informativa para apropriação crítica do leitor. Contudo, há notícias de difícil digestão!

Cumpra-se a máxima de ‘vida polémica, morte polémica’ no referente a José Saramago. Independentemente das afinidades e eleições reconheça-se, pelo menos, a perda incontornável do ser humano e do escritor. E no pós-luto emergem notícias que se destacam pelo tom jocoso e expiatório (é esta a minha apropriação), como referir «Pilar del Rio despediu-se do marido sem lágrimas».

Completamente despropositado, indago até que ponto uma perda é quantificada em lágrimas (e não vem ao caso o papel das carpideiras por ofício sob risco de desidratação). As dúvidas persistem na mise-en-scène das cerimónias fúnebres: Quantos litros de lágrimas devemos produzir e expelir? E em que momentos da cerimónia? A apresentação deve ser estudada ou um desalinho completo para evidenciar a dor?

12 de junho de 2010

Feira do Livro do Porto 2010

Com algum atraso da nossa parte e do sol também, fica o convite para mais uma deambulação livresca no Porto até ao dia 20 de Junho.

Fotografia de António S. Oliveira

29 de maio de 2010

«Há várias maneiras de saltar, sendo o essencial saltar».
Camus in O Mito de Sísifo

19 de maio de 2010

Simplesmente Mamãs

2010 é um ano que, definitivamente, captou a minha atenção para os assuntos relacionados com a parentalidade. Assim, às 24 semanas e 4 dias de gestação é «normal» reforçar as minhas leituras, enquanto aguardo nos bancos do hospital, sobre a dita temática.

Obviamente que toda a gravidez é pública na sentido da exposição e da visibilidade. Seriam necessários um hiperespartilho ou a clausura num ermo para que o mais mortal dos distraídos não conseguisse vislumbrar o estado de graça! Contudo, há diferenças quando a futura mamã usufrui do estatuto de figura pública. E as últimas são: o recente nascimento da filha de Cláudia Vieira e já à saída do hospital o processo de recuperação encetado; temos também o segundo round de Bárbara Guimarães, a caminho do quinto mês e com direito a vestidinhos estilizados para os Globos de Ouro (nós por cá adoptámos a política de austeridade no que respeita o vestuário pré-mamã e, ao invés das viagens de avião, reforçámos a pedonalidade); por fim, Rita Mendes num acto hercúleo pós-ruptura afectiva e a sua «despreocupação» relativamente ao aumento de peso.

Seguimos com mais de meio quilograma de filho garantido, muito apetite e calor imenso =)

6 de maio de 2010

Ideia da Não-comunicação | Niklas Luhmann

Ainda que não se preveja uma séria desalfabetização da humanidade, porque o novo aparece junto ao antigo, já se vai esboçando o desaparecimento de uma importante premissa que possibilitou a evolução da cultura semântica da nossa sociedade: referimo-nos à premissa da unidade de enunciado, em relação à qual se pode escolher, expressar consenso ou dissensão. Poder-se-ia designar a dita premissa como limite da comunicação possível e então veríamos como tal limite se tornou capaz de gerar evolução e de que maneira isto ocorreu. Se este limite desaparece, o que limitará então a comunicação social de forma suficientemente determinada para poder ser o ponto de partida de uma posterior evolução?

26 de abril de 2010

«Conto na minha vida um grande amor, de que fui sempre o objecto».
Camus in A Queda

13 de abril de 2010

«...iniciar a última viagem possível, aquela donde nunca se regressa - a do esquecimento»
Al Berto in Lunário

7 de abril de 2010

Ideia do Erro | Fernando Pessoa

Porque vais buscar
Sistemas vãos de vãs filosofias,
Religiões, seitas [voz de pensadores],
Se o erro é condição da nossa vida,
A única certeza da existência?
Assim cheguei a isto: tudo é erro.
Da verdade há apenas uma ideia
À qual não corresponde realidade.
Crer é morrer; pensar é duvidar;
A crença é o sono e o sonho do intelecto
Cansado, exausto, que a sonhar obtém
Efeitos lúcidos do engano fácil
Que antepôs a si mesmo, mais sentido,
Mais [visto] que o usual do seu pensar.
A fé é isto: o pensamento
A querer enganar-te eternamente
Fraco no engano, [e assim] no desengano;
Quer na ilusão, quer na desilusão.

23 de março de 2010

Ideia da Forma | Ana Horta

Talho-te agora com o movimento da carne das minhas
mãos vivas
e do plasmar das palmas lisas na matéria do mundo
surge o lugar do espaço que te figura
aí te acolho e sei:
detemos a manhã
e as formas enroladas sobre o solo

Lembro:
nenhum lugar para a vaidade
apenas o puro despojamento do peso
porque o corpo é um barro perfeito

18 de março de 2010

14 de março de 2010

Considerandos felinos sobre a noite

Um achado, o livro Só à noite os gatos são pardos com textos inéditos de autores contemporâneos, um contributo para a Associação de Protecção Animal - Cantinho do Tareco.


Sonho muitas vezes que estou num telhado e que o corro dum lado para o outro até encontrar um buraco nas telhas e por aí entrar. Entro no forro do telhado, estou entre o tecto e as telhas, vejo-me perdido noutro mundo, num mar de ratos e ratazanas, escorrego nos seus dejectos, enredo-me nas teias de aranha, encho-me de pó, é pesadelo, mete medo, não sou capaz de sair e desato a miar, miar e aqui acordo, suado, o pelo irritado, mas acordo no meu velho sofá.

Ia para falar mais um pouco, agora sobre a noite que se aproxima e que é a mais bela fase do dia, mas não me apetece. Estou irritado comigo próprio. Vou lamber-me de alto a baixo e continuar a dormir. Pode ser que amanhã de manhã me apeteça falar sobre a noite que findou e que eu não soube aproveitar...


Cristina Carvalho, «Eu, gato, considerando vagamente sobre a manhã, a tarde e a noite»

6 de março de 2010

Ideia do Feminismo | Florence Thomas

A propósito do Dia Internacional da Mulher, eis as palavras emprestadas de Florence Thomas que a mim chegaram através da minha amiga Irene:

Nunca he declarado la guerra a los hombres; no declaro la guerra a nadie, cambio la vida: soy feminista. No soy ni amargada ni insatisfecha: me gusta el humor, la risa, pero sé también compartir los duelos de las miles de mujeres víctimas de violencia: soy feminista. Me gusta con locura la libertad más no el libertinaje: soy feminista. No soy pro-abortista, soy pro-opción porque conozco a las mujeres y creo en su enorme responsabilidad: soy feminista. No soy lesbiana, y si lo fuera ¿cuál sería el problema? Soy feminista. Sí, soy feminista porque no quiero morir indignada. Soy feminista y defenderé hasta donde puedo hacerlo a las mujeres, a su derecho a una vida libre de violencias. Soy feminista porque creo que hoy día el feminismo representa uno de los últimos humanismos en esta tierra desolada y porque he apostado a un mundo mixto hecho de hombres y mujeres que no tienen la misma manera de habitar el mundo, de interpretarlo y de actuar sobre él. Soy feminista porque me gusta provocar debates desde donde puedo hacerlo. Soy feminista para mover ideas y poner a circular conceptos; para reconstruir viejos discursos y narrativas, para desmontar mitos y estereotipos, derrumbar roles prescritos e imaginarios prestados.

Soy feminista y escribo para las mujeres que no tienen voces, para todas las mujeres, desde sus incontestables semejanzas y sus evidentes diferencias. Soy feminista porque el feminismo es un movimiento que me permite pensar también en nuestras hermanas afganas, ruandesas, croatas, iraníes, que me permite pensar en las niñas africanas cuyo clítoris ha sido extirpado, en todas las mujeres que son obligadas a cubrirse de velos, en todas las mujeres del mundo maltratadas, víctimas de abusos, violadas y en todas las que han pagado con su vida esta peste mundial llamada misoginia. Sí, soy feminista para que podamos oír otras voces, para aprender a escribir el guión humano desde la complejidad, la diversidad y la pluralidad. Soy feminista para mover la razón e impedir que se fosilice en un discurso estéril al amor.

Soy feminista para reconciliar razón y emoción y participar humildemente en la construcción de sujetos sentipensantes como los llama Eduardo Galeano. Soy feminista y defiendo una epistemología que acepte la complejidad, las ambigüedades, las incertidumbres y la sospecha. Sé hoy que no existe verdad única, Historia con H mayúscula, ni Sujeto universal. Existen verdades, relatos y contingencias; existen, al lado de la historia oficial tradicionalmente escrita por los hombres, historias no oficiales, historias de las vidas privadas, historias de vida que nos enseñan tanto sobre la otra cara del mundo, tal vez su cara más humana. En fin soy feminista tratando de atravesar críticamente una moral patriarcal de las exclusiones, de los exilios, de las orfandades y de las guerras, una moral que nos gobierna desde hace siglos. Trato de ser feminista en el contexto de una modernidad que cumple por fin sus promesas para todos y todas. Como dice Gilles Deleuze 'siempre se escribe para dar vida, para liberarla cuando se encuentra prisionera, para trazar líneas de huida'. Sí, trato de trazar para las mujeres de este país líneas de huida que pasen por la utopía. Porque creo que un día existirá en el mundo entero un lugar para las mujeres, para sus palabras, sus voces, sus reivindicaciones, sus desequilibrios, sus desórdenes, sus afirmaciones en cuanto seres equivalentes políticamente a los hombres y diferentes existencialmente.

Por esto soy una extraviada, soy feminista. Y lo soy con el derecho también a equivocarme.

26 de fevereiro de 2010

25 de fevereiro de 2010

«A Senhora Lázaro», Sylvia Plath

Voltei a fazê-lo.
Uma vez em cada dez anos
Consigo-o –

uma espécie de milagre ambulante, a minha pele
Brilhante qual quebra-luz nazi,
o meu pé direito

um pisa-papéis,
o meu rosto, um fino e incolor
linho judeu.

Afasto o guardanapo
inimigo meu.
Meto medo?

O nariz,as cavidades dos olhos, os dentes todos?
O hálito acre
desaparecerá daqui a um dia.

Em breve, em breve, a carne
devorada pela caverna tumular sentir-se-á
em casa sem mim

E eu serei uma mulher sorridente.
Tenho trinta anos apenas.
E tal como o gato, tenho sete vidas.

Esta é a Número Três.
Que desperdício
alienar cada década.

Que milhão de filamentos.
A multidão mastigando amendoins
empurra-se para entrar e para os ver

desembrulhar o meu corpo, pés e mãos –
o grande strip tease.
Senhoras e senhores,


eis as minhas mãos,
os meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

apesar disso, sou a mesma, exactamente a mesma mulher.
Da primeira vez que aconteceu, tinha dez anos.
Foi um acidente.

Da segunda, quis
que fosse a sério e que esse caminho não tivesse retorno.
Fechei-me

como uma concha.
Tiveram que chamar por mim, chamar,
e arrancar os vermes de mim como se fossem pérolas pegajosas.

Morrer
é uma arte, como tudo o mais.
Faço-o excepcionalmente bem.

Faço-o com um gozo imenso.
Faço-o como se fosse real.
Talvez se possa considerar uma vocação.

É fácil fazê-lo numa cela.
É fácil fazê-lo e ficar no mesmo sítio.
É a faceta teatral

de um regresso à luz do dia
ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo
grito divertido e estúpido:

«Um milagre!».
Isso dá cabo de mim.
Há um preço

para ver as minhas cicatrizes, há um preço
para ouvir o bater do meu coração –
ele persiste.

E há um preço, um preço muito elevado,
para uma palavra ou para um toque
ou para uma gota de sangue

ou para um pedaço do meu cabelo ou das minhas roupas.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Sou a vossa obra,
sou o vosso valioso objecto,
o puro bebé de oiro

que se dissolve num grito.
Viro-me e ardo.
Não penseis que subestimo a vossa profunda atençaõ.

Cinza, cinza –
Agitais, inflamai.
Carne, osso, não há nada aí –

Um sabonete,
uma aliança de casamento,
a coroa de oiro de um dente.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Acautelai-vos
Acautelai-vos.

Ergo-me das
cinzas com meus cabelos ruivos
e devoro homens tão facilmente como respiro.


23-29 de Outubro de 1962


Tradução de Mário Avelar in Sylvia Plath: O rosto oculto do poeta (1997)

24 de fevereiro de 2010

É com um certo saudosismo que recordo as cantigas de escárnio e maldizer. Alguns poderiam retorquir «lá vem o bacalhau seco mas balofo, retorcido e amargo relembrar antigos dissabores». Mas não! Apenas me limito a constatar os factos e, como tal, a mais não sou nem serei obrigada.

Na senda das premissas sociológicas da incursão empírica, tendo como guru Machado Pais, optei por nomes fictícios a fim de salvaguardar o anonimato público das personagens [espero que a Academia me permita o uso da primeira pessoa do singular em detrimento da inconsequente «nós»]. De salientar, também, que segui regras estritas e restritas de transcrição do discurso deste informante privilegiado. Nem sempre é fácil escolher o cromo [vulgo interlocutor] a ilustrar nesta rubrica. Depois de alguns milésimos de segundos de reflexão, tal escolha afigurou-se-me evidente:


Olá, olá a todos [pausa para beijar duas crianças e acenar a duas velhinhas] … não sei se estão recordados de mim e das minhas trocas e baldrocas políticas. É que no X não me safava e talvez no Y consiga angariar mais fãs, se bem que a monarquia pareça mais promissora, quem sabe... Também não é fácil entre directos na TV e viagens à minha terra, conciliar com o gancho/tacho/biscate académico mas tento.

Quando preparo as aulas não sei muito bem por onde começar. Leio as obras? Decoro os sumários? Hum, remeto para os meus livros publicados por uma editora de renome? Bom, a bem dizer eu não tive muito tempo para me debruçar sobre estas questões mas reuni algumas notas que tomei a liberdade de preparar em minha casa com um mês de antecedência e que decorei após 48 horas de quarentena no meu gabinete [obviamente com pausas justificadas para beber 5 sumos, comer 10 pastéis com creme e tomar 7 cafés com adoçante]. Que acham, cito um poeta, Bourdieu ou retomo o jargão sociológico que a bem dizer tudo diz e nada contém em si mesmo?

Um dia de cada vez e não renuncies, renunciar é fácil, talvez em nome do Y, logo se vê...

22 de fevereiro de 2010

Petição Pública: Um dos mais antigos métodos da democracia (?)

É com espanto que distraída diviso, não os poemas de Ruy Belo, a primeira edição da newsletter do site Petição Pública.

A mobilização e a participação dos cidadãos em causas diversas parece-me salutar. Contudo, não deixa de ser anedótico o resumo com o ranking das petições com maior número de subscritores, destacando-se a muy nobre petição «Filipe e Diana a Londres» contabilizando a subscrição de 16910 signatários. Um aprendiz de sociologia apontaria, de imediato, a premência da análise do perfil da amálgama, destrinçando idade, género, grau de escolaridade, actividade profissional, proveniência geográfica, e outras variáveis afins.

Bebendo da fonte (vd. http://peticaopublica.com/), deixo o top três das causas:

1. Petição Pelo Fim do Hi5 Beta – 21184 signatários;
2. Petição Filipe e Diana a Londres - 17696 signatários;
3. Petição REGRA DOS 95 (Idade+anos de serviço) -13417 signatários.


Portugal tem, de facto, o que merece! Friso, ainda, que redigi esta mensagem ao som de «I Gotta Feeling» dos Black Eyed Peas, esse ícone da arena musical portuguesa…

20 de fevereiro de 2010


Dias em que a urbe é um imenso deserto interior...

«Diário Bizantino», Cristina Campo

Dois mundos – e eu venho do outro.

Atrás e dentro
estradas ensopadas
atrás e dentro
névoa e laceração
para lá do caos e da razão
portas minúsculas e duras cortinas de couro,
mundo selado ao mundo, compenetrado no mundo,
inenarrável desconhecido ao mundo,
pelo sopro divino
um instante suscitado,
pelo sopro divino
logo cancelado,
espera o Lume escondido, o sepulto Sol,
a portentosa Flor.

Dois mundos – e eu venho do outro.

A fronteira, aqui, não é entre mundo e mundo
nem entre alma e corpo,
é corte vivo e eficaz
mais afiado que dupla lâmina
que se afunda
e separa
a alma veemente do espírito delicado
- até que bem despegado o caroço rode dentro da polpa –
as junturas dos ossos
os tendões da medula:
lâmina que discerne o coração
as tremendas intenções
as hesitações rapaces.

Dois mundos – e eu venho do outro.

19 de fevereiro de 2010

Para quem se acostumou ao meio de locomoção pedonal, por motivos de ordem ecológica, económica, ou simplesmente pela fruição de caminhar, avista quase fatalmente três ameaças. A saber: o perigo rodoviário e a inalação de gases tóxicos; o confronto sem saída com entes menos queridos dada a inevitabilidade do face-a-face; e as Testemunhas de Jeová.

De modo a que ninguém seja e/ou se sinta discriminado, que critérios perfilha uma Testemunha de Jeová para abordar alguém na rua e tentar (re)conduzi-lo(a) à salvação?

7 de fevereiro de 2010

Ideia do Amor | Edward Bond

As pessoas casam por amor
Depois passam uma vida de escravidão para pagar a cama
Acabam zangados e estúpidos com ódio do mundo
Eles têm filhos para amar
Depois amaldiçoam-nos e alguns deles partem os braços
O jogador dá as suas últimas libras a uma rapariga num beco e
depois pontapeia-a insensivelmente para as recuperar
O amor levou-os para o beco
Não digam que o amor é mais puro do que aquilo
Os Generais têm mísseis porque nos amam
Quando fritarmos eles vão chorar por nós nos seus bunkers
Vocês aguentam em qualquer cabana desde que lá dentro haja amor
Desde que consigam dizer 'amor torna-nos humanos' não
precisam de se preocupar em agir como humanos e limpar a
confusão
Vocês patinham na vossa pilha de estrume e apelidam-se de santos
Se um Deus fez o mundo pôs amor nesse mundo para que não
conseguíssemos torná-lo melhor e mostrar que não precisamos de
Deuses
Bom se Deus fez o mundo espero que tenha lavado as mãos logo a
seguir

4 de fevereiro de 2010

A gaja vai às compras. Sim, apesar do estado de crise catatónico em que vive, a gaja vai às compras! Adquire o essencial: pão, leite, iogurtes, fruta e preservativos. Sim, preservativos! Não é carolice a gaja querer andar protegida! A gaja prossegue a investida e há algo de que não se quer proteger: os bens culturais. Sim, bens culturais! Como tal, vai à Fnac para se actualizar com as últimas tendências. Mas há algo que não tende bem à saída. Sim, à saída! O alarme pelos vistos dispara e o segurança acorre para averiguar o sucedido. Espantada a gaja refere que tinha feito uma compra e, por acaso, o artigo adquirido era o pack de preservativos. Sim, pack pois só continha seis exemplares! A gaja é forçada a mostrar o material e ainda hoje pensa que embaraço para o rapaz tão zeloso e diligente a cumprir a sua tarefa de servidão vigilante!!!

29 de janeiro de 2010

28 de janeiro de 2010

Ideia da Parede | Fiódor Dostoiévski

... os homens que saem do vulgar e os homens de acção detêm-se sempre, com toda a sinceridade, diante de uma parede. Para eles, a parede não é uma desculpa, como é para nós, os que raciocinamos e, por conseguinte, nada fazemos; não lhes serve de pretexto para desfazer o que está feito: pretexto com o qual nos damos por satisfeitos. Não, eles param com toda a sinceridade. A parede tem para eles qualquer coisa de calmante, de decisivo, de derradeiro, talvez algo de místico...

27 de janeiro de 2010

A gaja corre ofegante para apanhar... o metro, claro está! À semelhança dos comuns mortais, a gaja entra e sofregamente busca um lugar sentado pois há que rentabilizar a tarifa. Há um lugar livre e parece que a viagem vai ser tranquila pois o lugar ao lado está avariado, tendo como sinalética «ESTE LUGAR NÃO DEVE SER UTILIZADO». Porém, emerge o espécime masculino n.º 1 que, na qualidade de estrábico, não repara e tenta fruir do assento. Resultado: cai e desaparece! A viagem prossegue e na estação seguinte entra o espécime masculino n.º 2, mais novato, que de novo não exercita a faculdade da interpretação e sim, tenta sentar-se e cai, também! A gaja esboça um sorriso pois é demasiado patético! Como todos sabem, o metro é um transporte público misto e só os homens caem nesta. À terceira a gaja desmancha-se pois o espécime masculino n.º 3, depois de tantas tentativas goradas, enceta a sua odisseia ao assento em questão e desta feita a queda é mais acentuada! Meus senhores, estava lá um letreiro, não estava?????

26 de janeiro de 2010

Nada é irreversível e as condições democráticas humanistas devem regenerar-se permanentemente para não degenerarem. A democracia tem necessariamente de se recriar em permanência. Pensar a barbárie é contribuir para a regeneração do humanismo. Logo, é resistir-lhe.

Edgar Morin, Cultura e Barbárie Europeias

21 de janeiro de 2010

Ideia do poema-corpo | Maria Estela Guedes

Há viagens particularmente leves. É assim que recordo o Filo-café realizado em Lamego (2009) e que permitiu o encontro com Maria Estela Guedes. Importando o «CUDOS» mertoniano para o nicho da poesia, o seu livro Herberto Helder, poeta obscuro (Moraes Editores, 1979) tem-me acompanhado na decifração (possível) dos códigos poéticos que presidem à genialidade da obra herbertiana. Sob o advento do «poema-corpo», eis os considerandos de Maria Estela Guedes:

O poema cresce lenta e radialmente no interior da carne, homologando-se à teia sanguínea. Corpo a desenvolver-se na placenta vital, ele próprio matéria vital ainda em fase de organização, será mais tarde expulso à semelhança de nascituro, a estrela vulvar.

Escrever será uma aventura ontológica, implicando ligar-se vitalmente ao outro, aos outros, maneira de tocar o mundo segundo simples e imediata relação corporal: o poeta vai ao encontro do que existe de mais espontâneo e primitivo na vida, atravessando a membrana das convenções morais e sociais, única forma de atingir o primário e fundamental em coisa e pessoas.

Pureza e espontaneidade, energia primordial perdurando e ocultando-se sob a opressão das leis sociais, eis a natureza básica da poesia. Por isso, só o homem bárbaro, o primitivo e a criança estão suficientemente isentos do constrangimento normativo para poderem mover-se no país da linguagem poética enquanto acção fundadora: o país da magia e dos segredos.

A capacidade de visão do sujeito poético vai ao ponto de atravessar as membranas epidérmicas, pondo a nu a rede sanguínea e estrutura óssea dos rostos. Detém-se no sangue, por ser o elemento produtor de calor e luz: a teia sanguínea representa a mais profunda dimensão do corpo, a sua energia vital mais subterrânea.


As membranas corporais não apenas deixam coar a luz, como deixam coar o som e, no caso do suor, a água. Ou seja, o corpo apresenta-se poroso, lugar sem fronteiras, espaço de múltiplas travessias: o mundo é o alimento que o corpo devora. Após a digestão, a gestação, ou a maturação, algo de novo sairá do corpo.

15 de janeiro de 2010

Ideia da Musa | Giorgio Agamben

Que uma latência se mantenha para que possa haver não-latência, que um esquecimento seja preservado para que possa haver memória: é isto a inspiração, o transporte suscitado pela musa, que põe o homem em harmonia com a palavra e o pensamento. O pensamento só está próximo da coisa se se perder na sua latência, se deixar de ver a coisa. Esta é a sua natureza de coisa "ditada": a dialéctica latência/não-latência, esquecimento/memória é a condição que permite que a palavra possa acontecer, e não apenas ser manipulada por um sujeito.

Mas esta latência é também o núcleo tartárico em volta do qual se adensa a obscuridade do carácter e do destino, o não-dito que, agigantando-se no pensamento, o precipita na loucura. Aquilo que o mestre não vê é a sua própria verdade: o seu limite é o seu princípio. Não vista, não exposta, a verdade entra no seu ocaso, fecha-se no seu próprio amanthis.

A insuficiente exposição do princípio constitui este em limite do que é dado pela musa, em inspiração. Mas, para poder escrever, para poder tornar-se também inspiração para nós, o mestre teve de abandonar a sua inspiração, teve de a esgotar: o poeta inspirado é um poeta sem obra. Este rasurar da inspiração, que arranca o pensamento ao reino das sombras do seu ocaso, é a exposição da Musa: a ideia.

14 de janeiro de 2010

«Desvarios da Musa» | Elisabete Pires Monteiro

Uma das ditaduras mais subliminares é, decerto, a que é imposta pela publicidade. Anteriormente, mencionámos o corpo e a publicidade dita arquétipos, preceitos de «beleza» e medidas antropométricas ideais e idealizadas, ao mesmo passo que divulga produtos e bens que as (de)formam. As mensagens apelam aos sentidos, afectos e pertenças simbólicas.

Recentemente foi noticiado que deverá cessar a publicidade alusiva a determinado tipo de alimentos e direccionada, sobretudo, ao público infanto-juvenil, dada a epidemia da obesidade que grassa na sociedade portuguesa. Talvez se estranhe a ausência de tais mensagens mas, certamente, o consumo desses bens continuará a entranhar-se. Trata-se de um meio difuso na construção e imposição de gostos e consumos, mas não podemos confinar a intervenção a este nível. A obesidade que afecta cada vez mais crianças e adolescentes não tem no meio publicitário o único bode expiatório. Urge uma resposta sistémica, o que equivale a abordar os estilos de vida correntes, a construção social dos gostos, a escola, entre outros, sem descurar o famigerado sedentarismo dos tempos livres de televisão, videojogos e Internet feitos.

12 de janeiro de 2010

«Não», Natércia Freire

Não formar nenhuma ideia
Do que somos ou seremos
Mas entre as vozes que fogem
Precisar o que dizemos.
Dormir sonos ante-céus
Abismos que são infernos.
Dormir em paz. Dormir paz,
Enfim a nota segura.
Lembrar pessoas e dias
Que penetraram no espaço
De eventos primaveris.
E dar a mão aos espectros
Beijá-los lendas, perfis.
Amar a sombra, a penumbra
Correr janelas e véus.
Saber que nada é verdade.
Dizer amor ao deserto
Abraçar quem nos ignora
Dormir com quem não nos vê
Mas precisar do calor
De quem nunca nos encontra.
Consegue conceber meia eternidade?

8 de janeiro de 2010

Nesta rubrica, inauguramos a referência a algumas formas de opressão manifestas/latentes, mais ou menos simbólicas, por todos vivenciadas mas, por vezes, por poucos sentidas como tal.

Cabe ao corpo o lugar de destaque, locus de inscrições e de exteriorização de normas individual e socialmente impostas.


Sociedades em confusão, desmoronamento das ideologias, dúvida crescente face às certezas da ciência, o corpo é simultaneamente fonte de desprezo e de narcisismo, lugar de uma violência social colectiva, lugar de uma violência individual psíquica.

Braunstein & Pépin, O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental

7 de janeiro de 2010

A cada três segundos, à escala glocal, há um escritor cuja veia estanca.

6 de janeiro de 2010

«Vem, vento, varre», Adolfo Casais Monteiro

Vem, vento, varre
sonhos e mortos.
Vem, vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
nocturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só cobardia.

Que fique apenas
erecto e duro
o tronco estremece
de raiz funda.

Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem, vento, varre!

5 de janeiro de 2010

Viver nos subúrbios é… é muito impressionante!

Nada melhor do que os narizes argutos que farejam a vida dos outros, sob olhares fortuitos, debitando teorias e teoremas, sob o signo universalmente aceite como sinónimo de aprovação/reprovação das condutas alheias.

É igualmente refrescante entrar num café e participar no concurso do berro, competindo com a própria televisão.

Podemos não conhecer as pessoas mas as descrições detalhadas, e elevadas aos pormenores mais íntimos, constituem pistas preciosas para a sua identificação. E há sempre um denominador comum aos tópicos de infindas conversações: maleitas e medicamentos; separações e infidelidades; mortes e cemitérios; economia e heranças (adoro particularmente este tópico em que todos palpitam refazendo os testamentos de terceiros).

A última cliente bem tinha razão ao exclamar: «o que é preciso é paz»! Pois por aqui, a paz passou ao lado e teima em não regressar…

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...