Há viagens particularmente leves. É assim que recordo o Filo-café realizado em Lamego (2009) e que permitiu o encontro com Maria Estela Guedes. Importando o «CUDOS» mertoniano para o nicho da poesia, o seu livro Herberto Helder, poeta obscuro (Moraes Editores, 1979) tem-me acompanhado na decifração (possível) dos códigos poéticos que presidem à genialidade da obra herbertiana. Sob o advento do «poema-corpo», eis os considerandos de Maria Estela Guedes:
O poema cresce lenta e radialmente no interior da carne, homologando-se à teia sanguínea. Corpo a desenvolver-se na placenta vital, ele próprio matéria vital ainda em fase de organização, será mais tarde expulso à semelhança de nascituro, a estrela vulvar.
Escrever será uma aventura ontológica, implicando ligar-se vitalmente ao outro, aos outros, maneira de tocar o mundo segundo simples e imediata relação corporal: o poeta vai ao encontro do que existe de mais espontâneo e primitivo na vida, atravessando a membrana das convenções morais e sociais, única forma de atingir o primário e fundamental em coisa e pessoas.
Pureza e espontaneidade, energia primordial perdurando e ocultando-se sob a opressão das leis sociais, eis a natureza básica da poesia. Por isso, só o homem bárbaro, o primitivo e a criança estão suficientemente isentos do constrangimento normativo para poderem mover-se no país da linguagem poética enquanto acção fundadora: o país da magia e dos segredos.
A capacidade de visão do sujeito poético vai ao ponto de atravessar as membranas epidérmicas, pondo a nu a rede sanguínea e estrutura óssea dos rostos. Detém-se no sangue, por ser o elemento produtor de calor e luz: a teia sanguínea representa a mais profunda dimensão do corpo, a sua energia vital mais subterrânea.
Pureza e espontaneidade, energia primordial perdurando e ocultando-se sob a opressão das leis sociais, eis a natureza básica da poesia. Por isso, só o homem bárbaro, o primitivo e a criança estão suficientemente isentos do constrangimento normativo para poderem mover-se no país da linguagem poética enquanto acção fundadora: o país da magia e dos segredos.
A capacidade de visão do sujeito poético vai ao ponto de atravessar as membranas epidérmicas, pondo a nu a rede sanguínea e estrutura óssea dos rostos. Detém-se no sangue, por ser o elemento produtor de calor e luz: a teia sanguínea representa a mais profunda dimensão do corpo, a sua energia vital mais subterrânea.
As membranas corporais não apenas deixam coar a luz, como deixam coar o som e, no caso do suor, a água. Ou seja, o corpo apresenta-se poroso, lugar sem fronteiras, espaço de múltiplas travessias: o mundo é o alimento que o corpo devora. Após a digestão, a gestação, ou a maturação, algo de novo sairá do corpo.