O filme «Morrer como um homem» de João Pedro Rodrigues encerra em si mesmo uma reflexão crítica sobre um conjunto de questões que transcendem a condição masculina/feminina do ser humano ou a querela entre identidade sexual/identidade de género.
Uma amálgama cruzada de papéis e valores, a estória de um travesti profundamente religioso e que, tendo vivido como uma mulher, a Tónia, tenciona morrer como um homem, o António Cipião. Curiosamente estas vivências radicam em esqueletos e fantasmas, comummente vivenciados por homens e mulheres ainda que em registos diferentes: o medo de envelhecer e de perder a juventude, e com esta a beleza; o receio da solidão; o egocentrismo; a busca do glamour e do fascínio; a preocupação com o desempenho do papel maternal/paternal, ainda que neste caso estejamos perante uma mãe biologicamente amputada e um pai socialmente ausente.
Musicalmente as escolhas foram muito felizes. Dois dos momentos mais poéticos são acompanhados pela sonoridade de António Variações, nomeadamente «Erva daninha a alastrar» e «Sempre ausente». Duas metáforas para viagens interiores e partilhadas, a que se acresce «Calvary» de Baby Dee.
O filme é rodado ao sabor de uma permanente caça aos gambuzinos, com alguns laivos de Almodóvar. Por fim, o abismo de um corpo já despojado de quaisquer adereços (lentes, perucas, lantejoulas, …), e que anseia pelo repouso na duplicidade de ter a seu lado o companheiro.