21 de março de 2021

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita –

Que assenta na alma –

E trauteia a melodia sem quaisquer palavras –

E nunca pára, de forma alguma 

 

E a mais doce – no Gale – é escutada–

Abate-se a tempestade indomável

Capaz de aninhar o passarinho

Que muitos acolheu e aconchegou 

 

Tudo isso ouvi na terra mais gélida 

E no Mar mais longínquo 

Contudo  nunca – de algum modo,

Pediu uma parte ínfima – de mim.

25 de fevereiro de 2021

O Arado do Tempo | Lawrence Ferlinghetti

 A noite cerrou as minhas janelas e

O céu tornou-se numa casa de cristal

As janelas de cristal incandesceram

A lua

nelas espelhada

por toda a casa de cristal

Uma única estrela irradiava

o seu feixe de cristal

e desenhava um arado na terra

desenterrando corpos agarrados

casais abraçados

à volta da terra

Abraçavam-se por toda a parte

emitindo pequenos gemidos

que não alcançavam as estrelas

A terra de cristal moveu-se

e com ela os corpos

Mas o céu não se moveu

nem as estrelas

As estrelas permaneceram fixas

cada uma com o seu feixe de cristal

irradiando a terra

fundidas nesse arado imenso

sulcando as nossas vidas

19 de dezembro de 2020

Carta ao Tomé

Kafka escreveu a carta ao Pai.

Eu escrevo ao António Tomé.

Quando dizia poesia, fui a uma feira de artesanato e conheci o Tomé!

Queria um colar da minha tatuagem do Om. Fazia esmalte, mas, na altura, estava também a fazer trabalhos em prata. Seguimos.

O Tomé era Alguém que nos fazia sorrir e que tornava tudo leve…

Professor primário, artesão, natural do Pinhão.

Foi uma Luz no meu mundo cinzento. Facilmente recreava dias perfeitos. Parou o meu tempo.


Obrigada Tomé:

- Pelo achigã que comemos e pescámos (odeio pescar);

- Quando me acompanhaste à FLUP para receber o prémio de curso;

- Por caminhares ao meu lado de olhar limpo.

(...)

Depois, a vida segue e afastámo-nos.

Deixei de ir a feiras de artesanato.

E um dia, ousei e perguntei por ti…. Queria muito que tivesses conhecido o F. ‘Tinhas tocado a campainha’ (private joke).

Recebi a notícia da tua viagem. Comprei um anel e agarrei-me a F.

Até já Tomé e faça o favor de olhar por nós =)

4 de dezembro de 2020

Ruínas in Livro de Soror Saudade | Florbela Espanca

 


Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!
 
E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!
 
Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!
 
Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.

24 de novembro de 2020

Inquietudes covidárias II

- Quando recorrentemente acordas às 05h da matina e vês filmes ou séries forenses; se bem que o 'Assalto à Casa Branca' instigou-me a pegar em NERF's;

- Quando voltas ao ‘local do crime’, vulgo revisitas a estação de metro de outrora;

- Quando ponderas perseguir pessoas com o devido distanciamento e apenas dizer: 'olá, está tudo bem?'; ‘precisa de ajuda para ajustar a máscara?’;

- Quando o pico do teu dia é colocar umas sapatilhas e reciclar lixo;

- Quando acabas a jornada laboral e sais para comprar um rissol ou croquete, na loucura um pastel de carne;

- Quando o que te diverte é observar os outros a comprar 'raspadinhas'. 

Mas o ónus da questão é este: com o fim da pandemia, quantas pessoas poderei agarrar, abraçar e beijar? É que por mim vai (quase) tudo a eito!

E cientistas de todo o mundo, uni-vos, por favor! Para além desta famigerada vacina, há alguma réstia de esperança de, sei lá, entre duas a três inoculações, domarmos a estupidez humana?!?

20 de novembro de 2020

Amanhã recomeçamos | David Mourão-Ferreira

Não me conformo com a ideia de vivermos aqui, cada noite ancorada num porto diferente... Quero uma casa. Preciso de ver pessoas. Quero voltar a sentir a terra debaixo dos pés. Quero deixar de ouvir o mar.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...