26 de fevereiro de 2010

25 de fevereiro de 2010

«A Senhora Lázaro», Sylvia Plath

Voltei a fazê-lo.
Uma vez em cada dez anos
Consigo-o –

uma espécie de milagre ambulante, a minha pele
Brilhante qual quebra-luz nazi,
o meu pé direito

um pisa-papéis,
o meu rosto, um fino e incolor
linho judeu.

Afasto o guardanapo
inimigo meu.
Meto medo?

O nariz,as cavidades dos olhos, os dentes todos?
O hálito acre
desaparecerá daqui a um dia.

Em breve, em breve, a carne
devorada pela caverna tumular sentir-se-á
em casa sem mim

E eu serei uma mulher sorridente.
Tenho trinta anos apenas.
E tal como o gato, tenho sete vidas.

Esta é a Número Três.
Que desperdício
alienar cada década.

Que milhão de filamentos.
A multidão mastigando amendoins
empurra-se para entrar e para os ver

desembrulhar o meu corpo, pés e mãos –
o grande strip tease.
Senhoras e senhores,


eis as minhas mãos,
os meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

apesar disso, sou a mesma, exactamente a mesma mulher.
Da primeira vez que aconteceu, tinha dez anos.
Foi um acidente.

Da segunda, quis
que fosse a sério e que esse caminho não tivesse retorno.
Fechei-me

como uma concha.
Tiveram que chamar por mim, chamar,
e arrancar os vermes de mim como se fossem pérolas pegajosas.

Morrer
é uma arte, como tudo o mais.
Faço-o excepcionalmente bem.

Faço-o com um gozo imenso.
Faço-o como se fosse real.
Talvez se possa considerar uma vocação.

É fácil fazê-lo numa cela.
É fácil fazê-lo e ficar no mesmo sítio.
É a faceta teatral

de um regresso à luz do dia
ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo
grito divertido e estúpido:

«Um milagre!».
Isso dá cabo de mim.
Há um preço

para ver as minhas cicatrizes, há um preço
para ouvir o bater do meu coração –
ele persiste.

E há um preço, um preço muito elevado,
para uma palavra ou para um toque
ou para uma gota de sangue

ou para um pedaço do meu cabelo ou das minhas roupas.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Sou a vossa obra,
sou o vosso valioso objecto,
o puro bebé de oiro

que se dissolve num grito.
Viro-me e ardo.
Não penseis que subestimo a vossa profunda atençaõ.

Cinza, cinza –
Agitais, inflamai.
Carne, osso, não há nada aí –

Um sabonete,
uma aliança de casamento,
a coroa de oiro de um dente.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Acautelai-vos
Acautelai-vos.

Ergo-me das
cinzas com meus cabelos ruivos
e devoro homens tão facilmente como respiro.


23-29 de Outubro de 1962


Tradução de Mário Avelar in Sylvia Plath: O rosto oculto do poeta (1997)

24 de fevereiro de 2010

É com um certo saudosismo que recordo as cantigas de escárnio e maldizer. Alguns poderiam retorquir «lá vem o bacalhau seco mas balofo, retorcido e amargo relembrar antigos dissabores». Mas não! Apenas me limito a constatar os factos e, como tal, a mais não sou nem serei obrigada.

Na senda das premissas sociológicas da incursão empírica, tendo como guru Machado Pais, optei por nomes fictícios a fim de salvaguardar o anonimato público das personagens [espero que a Academia me permita o uso da primeira pessoa do singular em detrimento da inconsequente «nós»]. De salientar, também, que segui regras estritas e restritas de transcrição do discurso deste informante privilegiado. Nem sempre é fácil escolher o cromo [vulgo interlocutor] a ilustrar nesta rubrica. Depois de alguns milésimos de segundos de reflexão, tal escolha afigurou-se-me evidente:


Olá, olá a todos [pausa para beijar duas crianças e acenar a duas velhinhas] … não sei se estão recordados de mim e das minhas trocas e baldrocas políticas. É que no X não me safava e talvez no Y consiga angariar mais fãs, se bem que a monarquia pareça mais promissora, quem sabe... Também não é fácil entre directos na TV e viagens à minha terra, conciliar com o gancho/tacho/biscate académico mas tento.

Quando preparo as aulas não sei muito bem por onde começar. Leio as obras? Decoro os sumários? Hum, remeto para os meus livros publicados por uma editora de renome? Bom, a bem dizer eu não tive muito tempo para me debruçar sobre estas questões mas reuni algumas notas que tomei a liberdade de preparar em minha casa com um mês de antecedência e que decorei após 48 horas de quarentena no meu gabinete [obviamente com pausas justificadas para beber 5 sumos, comer 10 pastéis com creme e tomar 7 cafés com adoçante]. Que acham, cito um poeta, Bourdieu ou retomo o jargão sociológico que a bem dizer tudo diz e nada contém em si mesmo?

Um dia de cada vez e não renuncies, renunciar é fácil, talvez em nome do Y, logo se vê...

22 de fevereiro de 2010

Petição Pública: Um dos mais antigos métodos da democracia (?)

É com espanto que distraída diviso, não os poemas de Ruy Belo, a primeira edição da newsletter do site Petição Pública.

A mobilização e a participação dos cidadãos em causas diversas parece-me salutar. Contudo, não deixa de ser anedótico o resumo com o ranking das petições com maior número de subscritores, destacando-se a muy nobre petição «Filipe e Diana a Londres» contabilizando a subscrição de 16910 signatários. Um aprendiz de sociologia apontaria, de imediato, a premência da análise do perfil da amálgama, destrinçando idade, género, grau de escolaridade, actividade profissional, proveniência geográfica, e outras variáveis afins.

Bebendo da fonte (vd. http://peticaopublica.com/), deixo o top três das causas:

1. Petição Pelo Fim do Hi5 Beta – 21184 signatários;
2. Petição Filipe e Diana a Londres - 17696 signatários;
3. Petição REGRA DOS 95 (Idade+anos de serviço) -13417 signatários.


Portugal tem, de facto, o que merece! Friso, ainda, que redigi esta mensagem ao som de «I Gotta Feeling» dos Black Eyed Peas, esse ícone da arena musical portuguesa…

20 de fevereiro de 2010


Dias em que a urbe é um imenso deserto interior...

«Diário Bizantino», Cristina Campo

Dois mundos – e eu venho do outro.

Atrás e dentro
estradas ensopadas
atrás e dentro
névoa e laceração
para lá do caos e da razão
portas minúsculas e duras cortinas de couro,
mundo selado ao mundo, compenetrado no mundo,
inenarrável desconhecido ao mundo,
pelo sopro divino
um instante suscitado,
pelo sopro divino
logo cancelado,
espera o Lume escondido, o sepulto Sol,
a portentosa Flor.

Dois mundos – e eu venho do outro.

A fronteira, aqui, não é entre mundo e mundo
nem entre alma e corpo,
é corte vivo e eficaz
mais afiado que dupla lâmina
que se afunda
e separa
a alma veemente do espírito delicado
- até que bem despegado o caroço rode dentro da polpa –
as junturas dos ossos
os tendões da medula:
lâmina que discerne o coração
as tremendas intenções
as hesitações rapaces.

Dois mundos – e eu venho do outro.

19 de fevereiro de 2010

Para quem se acostumou ao meio de locomoção pedonal, por motivos de ordem ecológica, económica, ou simplesmente pela fruição de caminhar, avista quase fatalmente três ameaças. A saber: o perigo rodoviário e a inalação de gases tóxicos; o confronto sem saída com entes menos queridos dada a inevitabilidade do face-a-face; e as Testemunhas de Jeová.

De modo a que ninguém seja e/ou se sinta discriminado, que critérios perfilha uma Testemunha de Jeová para abordar alguém na rua e tentar (re)conduzi-lo(a) à salvação?

7 de fevereiro de 2010

Ideia do Amor | Edward Bond

As pessoas casam por amor
Depois passam uma vida de escravidão para pagar a cama
Acabam zangados e estúpidos com ódio do mundo
Eles têm filhos para amar
Depois amaldiçoam-nos e alguns deles partem os braços
O jogador dá as suas últimas libras a uma rapariga num beco e
depois pontapeia-a insensivelmente para as recuperar
O amor levou-os para o beco
Não digam que o amor é mais puro do que aquilo
Os Generais têm mísseis porque nos amam
Quando fritarmos eles vão chorar por nós nos seus bunkers
Vocês aguentam em qualquer cabana desde que lá dentro haja amor
Desde que consigam dizer 'amor torna-nos humanos' não
precisam de se preocupar em agir como humanos e limpar a
confusão
Vocês patinham na vossa pilha de estrume e apelidam-se de santos
Se um Deus fez o mundo pôs amor nesse mundo para que não
conseguíssemos torná-lo melhor e mostrar que não precisamos de
Deuses
Bom se Deus fez o mundo espero que tenha lavado as mãos logo a
seguir

4 de fevereiro de 2010

A gaja vai às compras. Sim, apesar do estado de crise catatónico em que vive, a gaja vai às compras! Adquire o essencial: pão, leite, iogurtes, fruta e preservativos. Sim, preservativos! Não é carolice a gaja querer andar protegida! A gaja prossegue a investida e há algo de que não se quer proteger: os bens culturais. Sim, bens culturais! Como tal, vai à Fnac para se actualizar com as últimas tendências. Mas há algo que não tende bem à saída. Sim, à saída! O alarme pelos vistos dispara e o segurança acorre para averiguar o sucedido. Espantada a gaja refere que tinha feito uma compra e, por acaso, o artigo adquirido era o pack de preservativos. Sim, pack pois só continha seis exemplares! A gaja é forçada a mostrar o material e ainda hoje pensa que embaraço para o rapaz tão zeloso e diligente a cumprir a sua tarefa de servidão vigilante!!!

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...