24 de dezembro de 2008

«Nevrose Nocturna» (Excertos), Gomes Leal


- Bela! dizia eu, como um navio à vela,
para um país polar, por um silêncio amigo.
- Bela! como uma estátua e gélida como ela.
- Bela! dizia eu, como um sepulcro antigo.

- Bela! dizia eu, ágil como um jaguar,
assim me inspire o Fado e Satanás me deixe!
Bela! dizia eu, fria como o luar
sobre o dorso luzente e excepcional dum peixe.

Bela! dizia eu, como uma mesa lauta
para um festim pagão: a Forma, o Som, e a Cor.
Bela! dizia eu, como nocturna flauta,
desafiando, no mar, a ladainha - Dor.
[...]

Bela! como um espelho esférico, polido,
aonde colos nus luzem palidamente.
Bela! como o sentir a seda dum vestido
arrastar, como arrasta a cauda de serpente.

Bela! como o sorrir vermelho dum rainúnculo.
Bela! como uma flor aquática do Mar.
Bela! como na treva o brilho dum carbúnculo.
Bela! dizia eu, como um azul polar.

Bela! como a expressão das notas de Méhul.
Bela! como uma flor num muro de cadeia.
Bela! como a sonhar, sobre um divã azul,
fumando, perseguir a nebulosa Ideia.

Bela! dizia eu, como uma Feiticeira
da Tessália, evocando a ensaguentada lua.
Bela! como, no outono, a luminosa esteira
azulada e sem fim duma comprida rua.

Bela! como arrendado e flamejante altar,
onde se vão unir os corações dos noivos.
Bela! como o silêncio algente e tumular,
em que se escuta, ao fundo, o germinar dos goivos.

Bela! dizia eu... Mas nisto, sobre o leito,
em que cismava assim, voltou-se, levemente,
a invencível mulher que me inflamava o peito.
E os meus olhos no quarto erraram novamente.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...