Amálgama de palavras, sons e imagens em busca de dias sempre leves ou escreve um poema e bebe um copo que isso passa
26 de maio de 2009
25 de maio de 2009
«Queimai o Dinheiro»
Já em 2005, o Pedro Ribeiro vaticinava que «o futuro já não é o que era/o futuro é agora»; «o país a arder/e eu também/o país a chorar/e eu a enlouquecer». Passados 4 anos, o país arde e chora penosamente, restando saber se a loucura do autor estabilizou ou regrediu!
Por defeito de formação, gosto de situar as minhas leituras segundo duas coordenadas: o tempo e o espaço. Neste caso, acresce uma terceira coordenada na medida em que o Pedro e eu perfilhamos da mesma formação em Sociologia, com o peso, por vezes, asfixiante da tradição francófona na qual o Bourdieu pontua como principal guru. Numa das lições inaugurais, Bourdieu (1996) advogava o papel do sociólogo como porta-voz, um messias, dos oprimidos e silenciados pela violência simbólica. Também neste livro, o Pedro advoga a sua boa nova, na esteira de uma poesia messiânica:
vim ao mundo para espalhar a Boa Nova
não de Deus nem de Jesus
mas do Homem
do Super-homem
dionisíaco
xamãnico
sem preconceitos
sem dinheiro
criador
que não é mercador
o novo homem
não-violento
não-predador
o homem novo
o Amor.
Na minha opinião, dificilmente o poeta pode aspirar ao estádio de profecias. A poesia não é praxis, quanto muito é um estádio de inconformismo permanente dado o sonambulismo real, e aspira a despertar consciências adormecidas, na senda da poesia militante tal como refere Vinicius de Moraes n'«O Haver»:
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
A propósito deste livro é curioso o paralelismo constante entre o amor e o dinheiro, que Marx denominava de «prostituta universal», e como o seu apelo pode ser encarado como uma espécie de despojamento, em sentido lato, da acepção restrita de Homo economicus. A este propósito, Morin (2007) esboçou uma antropologia da barbárie humana, tentando demonstrar que as noções de Homo sapiens, Homo faber e Homo economicus eram por si mesmas insuficientes: o Homo sapiens, dotado de espírito racional, pode ser ao mesmo tempo Homo demens, capaz de delírio, de demência. O Homo faber, que sabe fabricar e usar utensílios, é também capaz de produzir inúmeros mitos. Por sua vez, o Homo economicus, que se determina em função do seu próprio interesse, é também o Homo ludens, o homem do jogo, da despesa, do desperdício.
O Pedro Ribeiro prossegue a sua cruzada proferindo:
Acordai!
Sou o novo rei deste reino
Estoirai foguetes
Pilhai os bancos
Queimai o dinheiro!
Contudo, «não bateis palmas! Não quero palmas! Só quero a Humanidade!». O autor socorre-se das aporias povo versus trabalho e, aqui, é questionável a sua noção de Humanidade:
Porque raio terei eu de defender o povo quando o povo é imbecil e ignorante por culpa própria? O povo não tem consciência que anda a ser comido pela sociedade-espectáculo, pela especulação financeira, pelos media. Se não queres ler, o problema é teu! Não sabes o que perdes! Tenho pena dos que não sabem ler nem escrever, dos outros não. É tempo de acabar com a glorificação do povo, do povo trabalhador. Essas velhas bandeiras da esquerda e até de alguns libertários são obsoletas. O povo não merece ser glorificado. O povo rejeita o filósofo e o poeta, sobretudo quando eles aparecem com as vestes da pobreza. Ah, Nietzsche! Ah, Zaratustra! Como és sublime! Afasta-te do rebanho! Afasta-te da multidão! Eles não te merecem. Fala apenas com os poucos que te ouvem. Não trabalhes! Não te sujeites a chefes, a regras repressivas, ao Estado! Cria!
Já não estamos no contexto da revolução industrial mas sim da revolução digital e do que apelido de «geração refrigerante», que cultiva a descartabilidade e o imediatismo ancorados nas Novas Tecnologias - a fast thinking society. Curiosamente, sob o advento da sociedade em rede e dos baluartes da informação e do conhecimento, os integrados preconizam o regresso à economia simbólica e à troca directa. Temos à nossa disposição um manancial de aplicações e ferramentas online que nos proporcionam a integração em comunidades de interesses, de objectivos e a partilha de recursos. Uma das vias possíveis de fundamentar a coesão da comunidade assenta nessa partilha e a minha valorização como membro passa pelo valor dos recursos comungados. Contudo, a questão de partida impera: este individualismo em rede que fomenta os capitais relacional e cultural redunda, em última instância, no capital económico. A posse de um computador, de uma ligação à Internet, o mínimo de conhecimentos informáticos e da língua-mãe (Inglês) traduzem-se num quantitativo monetário.
Daí que, o autor prossiga nesse campo de simbolismos e metáforas:
O dinheiro é a causa de todos os males. O dinheiro é o único deus todo-poderoso que comanda as relações entre homens, entre instituições, entre países. O outro deus está morto. É da posse do dinheiro que nasce a intriga, a hipocrisia, o ódio, a competição, a desigualdade, a guerra, a filha da putice, a pulhice, a aldrabice. Enquanto existir dinheiro haverá sofrimento. O dinheiro pertence à morte, aos profetas da morte, aos mercadores. O dinheiro é a negação da vida, da liberdade e da humanidade. O dinheiro converte tudo em mercadoria. Tudo se vende, tudo se compra, nós próprios estamos à venda no mercado. O mundo é um gigantesco mercado. O capitalismo globalizado traz consigo a coroação do deus supremo a quem todos obedecem. Em nome da humanidade, em nome da liberdade, em nome do amor, acabemos com o dinheiro. Organizemos festins e motins. Queimemos o dinheiro! Queimemos o dinheiro na praça!
Confesso que nunca esperei por Godot e não vim aqui para profetizar ideologias ou propor alternativas! Mas reitero que, à luz do comunismo, o desaparecimento do dinheiro não significa o fim de todas as estimativas de custos. As sociedades e as acções humanas presentes, passadas e por vir são obrigatoriamente confrontadas com esse problema quer utilizem, ou não, símbolos monetários.
Professo, porém, do livre arbítrio que assiste a cada indivíduo, não obstante o peso das condicionantes sociais, e do campo de possíveis num mundo estatizado, mercantilizado e globalizado. O Pedro Ribeiro aponta precisamente uma das vias quando refere que:
Quero entregar a minha alma ao governo
deixar-me colectar em êxtase
amar-te ordeiramente
como um cidadão cumpridor
quero lançar uma OPA
em directo no Telejornal
imolar-me no mercado global.
Uma ideia tanto mais exequível pois, aqui ao lado, está uma equipa da SIC e o prime time televisivo noticia (quase) sempre o cidadão empreendedor e arrojado. Obrigada!
Referências:
Biblioteca Comunista. Um mundo sem dinheiro: O Comunismo. http://www.velhatoupeira.hbe.com.br/
Bourdieu, P. (1996). Lição sobre a lição. Vila Nova de Gaia: Estratégias Criativas.
Morin, E. (2007). Cultura e barbárie europeias. Lisboa: Instituto Piaget.
21 de maio de 2009
Retratos de uma Sibila decadente (IV)
20 de maio de 2009
Apresentação de «Queimai o Dinheiro» | A. Pedro Ribeiro

Olhai o que faço do vosso deus
olhai o que faço do vosso deus
olhai o que faço do vosso deus
brinco com ele
gozo com ele
faço-o saltitar
faço-o em pedacinhos
desfaço-lhe os templos
e os altares
expulso os seus vendilhões
empalo os seus reis
e, no entanto,
estou a falar do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor
18 de maio de 2009
«Levavas nos pés trinta e sete flores», Pedro Águas
e espezinhavas a areia com os pés em sangue
andava eu deitando fogo pela boca
e pulavas de alegria e dor agarrada ao meu pescoço
sem o meu pescoço lá
porque eu andava deitando fogo pela boca.
Desenterraste-me então o corpo antigo
e cobriste de flores e beijos todas as partes putrefactas.
Andava eu deitando fogo pela boca.
Arrancavas lentamente dos tornozelos
as flores de que me enchias a boca.
Ao pescoço deixavas as mãos ao peito os beijos
sem o meu peito sem o meu pescoço sem a minha boca
porque eu andava
deitando fogo pela boca.
15 de maio de 2009
A improbabilidade poética da comunicação (II)
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Herberto Helder - Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Al Berto - ouve-me
que o dia te seja limpo
e que a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte.
Ruy Belo - Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
Herberto Helder - Só eu sei que a loucura minou este ser
inexplicável
que me estende nas coisas
a loucura entrou em cada osso
e os campos são o meu espelho.
Esta imagem perfeita arromba os espelhos.
Os nomes são loucos,
são verdadeiros.
Al Berto - apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
Ruy Belo - Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido
12 de maio de 2009
A improbabilidade poética da comunicação
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Herberto Helder - Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram.
Al Berto - homens cegos procuram a visão
do amor onde os dias ergueram esta
parede intransponível caminham vergados no zumbido dos ventos com
os braços
Ruy Belo - Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Herberto Helder - Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Al Berto - No regresso encontei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias
tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite
9 de maio de 2009
«As Mãos», Sebastião Alba
7 de maio de 2009
6 de maio de 2009
Retratos de uma Sibila decadente (III)
5 de maio de 2009
‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson
‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...
-
A mesma folha. De um lado, analisar, do outro – eu. Mas o lado primeiro também eu. Outro eu. E o que vacila entre os dois lados (que não é ...
-
falaste? turvaste a água! é morte de homem? a que cheira então? isso que fede é o cheiro da injúria, da afronta da escória da memória. falas...
-
Não me conformo com a ideia de vivermos aqui, cada noite ancorada num porto diferente... Quero uma casa. Preciso de ver pessoas. Quero volta...