19 de fevereiro de 2009

«Vigílias», Al Berto

1.

quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz


quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta o coração
esse
solitário caçador



2.

de labirinto em labirinto
construí o tempo de imperceptíveis gestos
no ouro da memória tecia o minotauro
tatuado a néon sobre o ombro
depois
por entre fumo de haxixe cresceram as cabeças
das leoas de Delos hirtas
nenhum sofrimento nos atingia
quando apertei a mão de meu amigo
e o levei pelo sono do mar
onde se levanta um corpo
capaz de paralisar de alegria o coração
parámos de nos contar histórias antigas
mas a sedução do minotauro permanecia
e falámos tanto que me esqueci de te dizer
uma ave sangra sob os passos
onde a cinza rubra de fogueira extinta
reacende um desejo que nos murmura

quando morrerdes o amor dispersar-se-á
e flor nenhuma como Narciso Adónis ou Jacinto
te recordará

fomos em silêncio pelas ruínas da ilha
não encontrámos água
bebemos os poemas e a paixão
bebemos sôfregos o vento ardente
até perdermos o sentido das palavras
e cada vez mais sós debruçados para a noite
dos oráculos insones entre crepúsculo e alba
nenhuma saída se vislumbrava


in Uma Existência de Papel

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...