
Amálgama de palavras, sons e imagens em busca de dias sempre leves ou escreve um poema e bebe um copo que isso passa
25 de novembro de 2009
Ideia do Avesso e do Direito | Albert Camus
Era uma mulher original e solitária. Mantinha uma estreita intimidade com os espíritos, tomava partido nas suas contendas e recusava-se a ver certas pessoas da sua família mal consideradas no mundo em que se refugiava.
Calhou-lhe uma pequena herança que vinha da sua irmã. Aqueles cinco mil francos, chegados no fim de uma vida, revelaram-se bastante incómodos… Perto da morte, quis abrigar os seus ossos… Comprou o jazigo. Estava ali um valor seguro, ao abrigo das flutuações da bolsa e dos acontecimentos políticos. Mandou arranjar a fossa interior, pô-la pronta a receber o seu próprio corpo. E, isto acabado, mandou gravar o seu nome em capitais de oiro.
Este negócio alegrou-a tão profundamente que foi tomada de um verdadeiro amor pelo seu túmulo. Vinha ver, ao princípio, os progressos dos trabalhos. E acabou por visitá-lo todos os domingos à tarde. Passou a ser a sua única saída e a sua única distracção.
Um homem contempla e o outro cava o seu túmulo: como distingui-los? Os homens e o seu absurdo? Mas aqui está o sorriso do céu. A luz aumenta e breve será o Verão? Mas aqui estão os olhos e as vozes daqueles que é preciso amar. Estou preso ao mundo por todos os meus gestos, aos homens por toda a minha piedade e o meu reconhecimento. Entre este direito e este avesso do mundo, eu não quero escolher, não gosto que se escolha.
24 de novembro de 2009
17 de novembro de 2009
«Pobre poeta, andas à caça das palavras», Isabel Meyrelles
Pobre poeta, andas à caça das palavras
e são elas que te caçam a ti,
bem podes armar-lhes ciladas,
és sempre tu que cais na armadilha,
a tua caçadeira tem mau olhado,
a tua caçadeira atira para os cantos,
a tua caçadeira atira no verso branco,
a tua caçadeira atira nos acrósticos
e mata os caligramas,
guarda a tua armadilha,
a tua caça cospe-te no olho,
vai antes caçar furtivamente
nas propriedades do teu feliz vizinho,
o poeta que sabe caçar
o pássaro azul.
13 de novembro de 2009
O marasmo impregna a cidade de Matosinhos.
No café em que escrevo estas notas, o número de clientes é inferior ao número de empregados que, entretanto, espreitam e comentam sobre o que nada acontece. Nem a vista do mar ou o tributo aos pescadores anestesia este sonambulismo envolvente.
Ao caminharmos pela Rua de Brito Capelo, prontamente sentimos a não-presença. Esta é bem pior que a ausência, pois pressupõe o amorfismo económico e sociocultural da cidade. Nem a passagem do metro colmata as sombras que deambulam perante lojas estranguladas. Em direcção a Matosinhos Sul, ainda nos sentimos tentados a enumerar os restaurantes e o semi-novo Teatro Constantino Nery. Não, nada de novo!
Matosinhos: um não lugar.
Ironicamente, ou não, o «homem do leme» faz-se ouvir...
12 de novembro de 2009
Ao revisitar o livro de Luc Ferry e Jean-Didier Vincent sobre «O que é o Homem?», numa tentativa de concertação dos fundamentos bio-filosóficos, prontamente divago para as previsões de Saramago ou para a «pincelada de zarcão» de mais a menos infinito de Gedeão.
A propósito do homem e das vivências em sociedade, fico com os pêlos, os que remanescem por erradicar, solenemente eriçados quando se menciona essa figura obscura e híbrida, de seu nome «cientista social».
Nos corredores da faculdade reproduzem-se quadros teórico-conceptuais e metodológicos e evoca-se, por vezes, a máxima de Kurt Lewin de que não existe nada mais prático do que uma boa teoria. Somos apresentados aos formalismos e às regras que balizam todas as nossas ideias expressas, por conselho, na terceira pessoa do plural, pois não nos compete formular ou esboçar o que quer que seja no «Eu». Neste quadro são escassíssimos os professores que se perspectivam como meros facilitadores do processo de aprendizagem e que fomentam uma leitura crítica dos factos sociais.
Por isso, quando descortino alguns comentários alusivos aos arautos da cultura ou aos guardiães do conhecimento, trata-se de um vício de formação. As aporias perduram: há quem fique preso a quadros teóricos para escamotear a sua ignorância e há quem os recuse paradoxalmente para invocar a sua ignorância fruto de (des)amarras formais e arreigar-se ao auto-didactismo.
Mantém-se o repto de Einstein de que mais importante do que o conhecimento é a imaginação…
Nos corredores da faculdade reproduzem-se quadros teórico-conceptuais e metodológicos e evoca-se, por vezes, a máxima de Kurt Lewin de que não existe nada mais prático do que uma boa teoria. Somos apresentados aos formalismos e às regras que balizam todas as nossas ideias expressas, por conselho, na terceira pessoa do plural, pois não nos compete formular ou esboçar o que quer que seja no «Eu». Neste quadro são escassíssimos os professores que se perspectivam como meros facilitadores do processo de aprendizagem e que fomentam uma leitura crítica dos factos sociais.
Por isso, quando descortino alguns comentários alusivos aos arautos da cultura ou aos guardiães do conhecimento, trata-se de um vício de formação. As aporias perduram: há quem fique preso a quadros teóricos para escamotear a sua ignorância e há quem os recuse paradoxalmente para invocar a sua ignorância fruto de (des)amarras formais e arreigar-se ao auto-didactismo.
Mantém-se o repto de Einstein de que mais importante do que o conhecimento é a imaginação…
6 de novembro de 2009
Ideia da Vergonha | Giorgio Agamben
Para o homem moderno, a teodiceia é necessária, e ao mesmo tempo falha da forma mais miserável: o próprio Deus se acusa e se rebola, por assim dizer, na sua própria lama teológica, e é precisamente isso que dá ao nosso mal-estar a sua natureza inconfundível. O abismo sobre o qual vacila a nossa razão não é o da necessidade, mas o da contingência e da banalidade do mal. Não se pode ser, nem culpado nem inocente de qualquer coisa de contingente: pode apenas ter-se vergonha disso, como quando, na rua, escorregamos numa casca de banana. O nosso Deus é um Deus que se envergonha. Mas, tal como toda a relutância trai, naquele que a experimenta, uma secreta solidariedade com o objecto do seu desprezo, assim também a vergonha é o sinal de uma inaudita e tremenda proximidade do homem em relação a si próprio. O sentimento de miséria é o último pudor do homem frente a si próprio, do mesmo modo que a contingência - sob o signo da qual parece agora desenrolar-se docilmente toda a sua existência - é a máscara que encobre o peso crescente que causas unicamente humanas exercem sobre os destinos da humanidade.
5 de novembro de 2009
4 de novembro de 2009
Ideia da Vertigem | Milan Kundera

O que são vertigens?
Medo de cair?
Mas então porque é que temos vertigens num miradoiro protegido com um parapeito?
As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor.
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