15 de dezembro de 2009

Ideia da Ironia | Albert Camus

Como estou saturada do frenesi pretensamente altruísta cultivado pela e na quadra natalícia, nada melhor do que retomar a ironia de Camus…


Há dois anos, conheci uma velha. Sofria ela de uma doença de que tinha pensado que morria. Todo o seu lado direito tinha ficado paralisado. Não tinha senão uma metade neste mundo e a outra já lhe era estranha. Velhinha mexida e tagarela, tinha sido reduzida ao silêncio e à imobilidade. Sozinha durante longos dias, iletrada, pouco sensível, a sua vida voltava-se inteiramente para Deus.

Naquele dia, alguém se interessava por ela. Era um rapaz. Tinha tomado verdadeiro interesse pelo tédio da velha. Isso, tinha-o ela sentido bem. E aquele interesse era uma sorte inesperada para a doente. Ela contava-lhe as suas dores com animação: estava no fim dos seus dias e é bem preciso deixar o lugar aos novos. Se se aborrecia? Isso era evidente. Não falavam com ela. Estava no seu canto, como um cão. Mais valia acabar. Porque ela gostaria mais de morrer do que estar a cargo de alguém.

Tinham ido para a mesa. O rapaz tinha sido convidado para jantar. A velha não comia porque os alimentos são pesados à noite. Tinha ficado no seu canto, por detrás daquele que a tinha escutado. Para prolongar a reunião, decidiram ir ao cinema. Ia justamente uma fita alegre.

O rapaz tinha aceitado irreflectidamente, sem pensar no ser que continuava a existir atrás de si. Ele sentia-se colocado diante do mais atroz infortúnio que tinha ainda conhecido: o de uma velha doente que se abandona para ir ao cinema. Queria ir-se embora e furtar-se-lhe, não queria saber, tentava retirar a mão. Durante um segundo teve um ódio feroz àquela velha e pensou em esbofeteá-la à toa.

Mas que importa se aceitarmos tudo? A morte para todos, mas para cada um a sua morte. Afinal de contas, o sol aquece-nos os ossos apesar de tudo.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...