1 de dezembro de 2009

O amor em tempos descartáveis e plastificados

Sempre que abordam a problemática das relações (im)pessoais, lembro-me do meu amigo Ulisses como o protótipo do gajo que descarta. Descarta tudo e todos. Descarta-se a si mesmo sem o saber, reprimindo e castrando os seus próprios sentimentos. E a ânsia de ambição é tão desmedida que, no silêncio e no eco das suas próprias ideias e projectos, descarta tudo o que se lhes sobrepõe. É infeliz e a sua infelicidade e podridão corroem-no e corrompem os demais.

Ulisses (invertido) é um homem (com letra minúscula) vivido, experiente e que prima pelos jogos psicológicos que entretece com as indivíduas, em particular, as indivíduas magoadas, ressabiadas e com antecedentes maníaco-depressivos.

Penélope é bela, aufere de uma beleza e elegância, à mistura com charme, e reveste-se de ideais e de uma forma particular como encara, hoje, o zapping amoroso após uma ruptura afectiva. Contudo, não consegue escapar à teia do descartável, do zarpar efémero.

Ulisses e Penélope compartilham trajectórias de vida similares, com os mesmos percalços e antecedentes, ambos feridos/magoados/ressabiados. Com uma única destrinça: Ulisses enfeuda-se numa redoma de orgulho que o eiva e Penélope, pelo menos o creio, libertou-se desse sentir mesquinho. E contudo, preenchem um vazio incessante mediante a condição efémera da era descartável.

Ulisses, materialmente, frui de tudo mas no plano afectivo não passa de um sem-abrigo, sem poiso certo onde pousar, qual nómada à deriva, sem bússola, preenchendo esse vácuo com projectos e mais projectos, com pensamentos e ideias megalómanas e profundamente líricas, com enlaces descartáveis. O pior disto tudo? Atentando no seu cariz higienista, Ulisses nem preservativo usa na era do VIH/SIDA, ou seja, do «amor» plastificado.

Ulisses é, de facto, o tipo de homem que nos faz sentir realmente bem!! Isto porque ao fazer um convite para um almoço ou um jantar, apenas fala de trabalho e filosofa acerca das eternas querelas do género, mas uma filosofia com um trago de senso comum refinado. Quando termina o repasto – pobre coitado, Morfeu abraça-o, após o seu esgrimir de mamífero primata, e deita-se para no dia seguinte trabalhar, laborar e escolher, de entre o seu cardápio, a gaja a descartar nessa noite.

Será que o coro de uma tragédia grega, ao assistir a esta catarse efémera e descartável, sentiria pena e choraria por ele? Qual o seu veredicto?!? O de Penélope não sei. Talvez fosse laureada e ovada por tamanha paciência, talvez fosse beatificada, por alinhar num jogo de condicionantes, de comportamentos laboralmente aditivos e de enlaces fugazes feito.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...