30 de dezembro de 2009

O amor em tempos descartáveis e plastificados (II)

Eis quando Penélope e Ulisses esvoaçam por entre os céus do Olimpo que a dualidade encapotada se transforma numa trilogia. Isto porque a mise-en-scène requer uma terceira divindade. Desta feita, uma Medusa cuja cabeça oxigenada enquista de um autismo psicologizante. Esta Medusa da áurea moderna ou pós-moderna (por favor, caros ciberleitores não entremos em querelas terminológicas), aspirava a ser Diana, a deusa da caça. Isto porque o seu cosmos lexical entranha os termos alusivos à cadeia predador/presa e um eterno «espetar as garras em...». Claro está que, imbuída de bagatelas psicológicas, se situa numa redoma de cristal, de castelos suspensos erguidos no ar de uma vivência cor-de-rosa.

Uma Medusa oxigenada, um abutre encapotado e que, sem quaisquer dúvidas, almeja sabotar o enlace de Penélope e Ulisses.

Ulisses é forte, no âmbito das suas parcas possibilidades, um deus invertido pois o seu «calcanhar de Aquiles» é de uma fraqueza acutilante, o que transparece no percurso que segue, nas escolhas que faz, nos projectos que abraça, na descartabilidade das deusas do Olimpo, sempre à socapa de novas musas, ninfas e ninfetas que sucumbam perante o seu charme e sedução aparentes e superficiais. E nunca, nunca conseguiu contornar o seu próprio Adamastor!

Mas calma caros ciberleitores! Ulisses é esperto demais! Vitimiza-se e o papel de vítima assenta-lhe bem, relevando a sua eterna infelicidade, carpindo as suas mágoas e angústias, mas sapiente nas charadas e nos jogos psicológicos que entretece. Daí, o encanto ou encantamento por Medusa e o fascínio pela psique.

Ulisses até é um gajo divinal e caricato. Promulgando a era do emocional, peca pelo fundamentalismo da Razão imbuído pelo Século das Luzes, um «iluminado» pela castração e pela repressão dos seus afectos.

Mas, afinal, o que é que o Amor tem a ver com tudo isto, sob o advento dos relatos descartáveis e efémeros?

Num dos seus vaticínios ou presságios, Ulisses prospectiva o movimento feminista. No seu discurso transparece já os seus receios e temores. Não é que, nos tempos que se avizinham, as mulheres vão tornar-se em caçadoras solitárias, na senda de uma carreira profissional, relegando a condição feminina que, na sua óptica redutora, impregna o património genético do cromossoma XX?

Qual Velho do Restelo, a sua antevisão é a de que a raiz de todos os males que irão assombrar as sociedades vindouras reside nisto mesmo. Um cenário de perplexidade, um compósito de lares desfeitos, de divórcios consumados, de filhos iletrados e consumidores de drogas... E essa condição feminina, imputada à nascença pelo reduto genético, apenas lhe dá asas para que possa navegar mais livremente sem quaisquer freios pois, mantendo as suas deusas, ninfas e ninfetas no reduto caseiro, Ulisses dá asas à sua imaginação, ensaiando e descartando.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...