15 de janeiro de 2010

Ideia da Musa | Giorgio Agamben

Que uma latência se mantenha para que possa haver não-latência, que um esquecimento seja preservado para que possa haver memória: é isto a inspiração, o transporte suscitado pela musa, que põe o homem em harmonia com a palavra e o pensamento. O pensamento só está próximo da coisa se se perder na sua latência, se deixar de ver a coisa. Esta é a sua natureza de coisa "ditada": a dialéctica latência/não-latência, esquecimento/memória é a condição que permite que a palavra possa acontecer, e não apenas ser manipulada por um sujeito.

Mas esta latência é também o núcleo tartárico em volta do qual se adensa a obscuridade do carácter e do destino, o não-dito que, agigantando-se no pensamento, o precipita na loucura. Aquilo que o mestre não vê é a sua própria verdade: o seu limite é o seu princípio. Não vista, não exposta, a verdade entra no seu ocaso, fecha-se no seu próprio amanthis.

A insuficiente exposição do princípio constitui este em limite do que é dado pela musa, em inspiração. Mas, para poder escrever, para poder tornar-se também inspiração para nós, o mestre teve de abandonar a sua inspiração, teve de a esgotar: o poeta inspirado é um poeta sem obra. Este rasurar da inspiração, que arranca o pensamento ao reino das sombras do seu ocaso, é a exposição da Musa: a ideia.

‘Esperança’, essa coisa de penas feita | Emily Dickinson

‘Esperança’, essa coisa de penas feita – Que assenta na alma – E trauteia a melodia sem quaisquer palavras – E nunca pára, de forma al...